Olá, meus Tripulantes Cibernéticos. Sejam muito bem-vindos a mais uma jornada pelo ciberespaço deste Comandante.
Hoje iremos comentar sobre um recente filme que chegou à lista dos TOP 10 do Netflix: “O Mundo Depois de Nós”, com Julia Roberts e Ethan Hawke.
Nele, as férias de uma família numa casa luxuosa sofrem uma reviravolta, quando um ciberataque apocalíptico afeta todos os dispositivos e duas pessoas estranhas batem à porta.
Vale a reflexão sobre o impacto de uma guerra cibernética na sociedade e como os acontecimentos do filme se dariam na vida real.
Qual a possibilidade de um ataque digital em massa acontecer? Quais ataques cibernéticos poderiam, de fato, desestabilizar a vida em sociedade e parar uma nação inteira?
Celulares sem sinal, Internet que não funciona, bloqueio de canal de TV e GPS com defeito podem acontecer na realidade em determinados momentos.
Mas aviões caírem, carros autônomos se desgovernarem e navios atracarem a toda velocidade em praias pela incapacidade de comunicação e erros no funcionamento de software não são episódios do nosso dia a dia.
É desta forma que o filme nos mostra como estamos dependentes da tecnologia e o que poderia acontecer à vida humana caso todos os apetrechos digitais (e até veículos e satélites) fossem afetados por um ataque hacker global à nossa infraestrutura crítica, que desmontasse tudo aquilo considerado normal em nossa rotina.
O filme nos mostra que uma guerra digital pode ser uma nova forma de desestabilizar uma nação remotamente, afetando suas telecomunicações, Internet, sistemas de geolocalização, financeiros e de defesa, além de energia, água e transporte aéreo, terrestre e marítimo.
Nessa linha, a fim de se prevenir quanto a cenários como este, vale destacar que o Brasil realiza anualmente o Exercício Guardião Cibernético (EGC), o maior exercício cibernético do Hemisfério Sul. Sendo que representei formalmente a Marinha do Brasil, como Pesquisador Sênior do Laboratório de Simulações e Cenários, da Escola de Guerra Naval, no EGC 5.0, organizado pelo Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber), na Escola Superior de Defesa, em Brasília, de 2 a 6 de outubro de 2023.
O exercício contou com 1.100 participantes de 150 órgãos públicos, agências reguladoras e grandes empresas da infraestrutura crítica nacional, pertencentes às áreas prioritárias de energia elétrica, petróleo, gás natural e biocombustíveis, finanças, comunicações, transporte, águas e saneamento, transportes aéreo, aquaviário e terrestre.
Voltando ao filme, um ataque cibernético em massa teria a capacidade de afetar mais os países avançados, pela maior dependência deles de tecnologia e maior superfície digital de ataque que possuem.
Mas o cenário que o filme retrata exigiria uma quantidade de ataques muito grande e coordenada, em todas as formas de comunicação e de orientação de um país, algo altamente improvável de ocorrer hoje.
Pois exigiria do atacante enorme capacidade de execução, coordenação e controle sobre muitos sistemas, ao mesmo tempo.
Na teoria, porém, qualquer sistema pode ser invadido e manipulado, caso esteja online, conectado, seja alcançável, rastreável, pois sempre pode haver alguma brecha. E, por meio desta, é provável que qualquer dispositivo conectado seja hackeado.
Entendo que o assunto, pela sua importância, poderia ter sido mais bem explorado e o roteiro do filme ter um ritmo um pouco mais acelerado.
Apesar disto, a questão principal é a reflexão que o filme gera e, nisto ele atinge seu propósito. Na visão do filme, a catástrofe é a própria humanidade. Na primeira fase do programa, a meta seria isolar uma nação, desabilitando suas comunicações e transportes, para deixar o país alvo todo mudo e paralisado.
Em seguida, ocorreria o “caos sincronizado”, disseminando desinformação e ataques falsos para enfraquecer as defesas do país, tornando-as vulneráveis a extremistas e até mesmo ao próprio Exército.
A ausência de um inimigo claro levaria as pessoas a se voltarem umas contra as outras. Com todas essas etapas bem-sucedidas, a terceira fase do plano ocorreria automaticamente. A população entraria em uma guerra civil, sucumbindo ao colapso e à autodestruição.
O autor do livro em que o filme se baseia, Rumaan Alam, acredita que, em uma fase avançada do ataque, com oponentes cortando a comunicação, espalhando desinformação e sons estridentes, as pessoas começarão a se voltar umas contra as outras, em uma guerra civil iminente e o colapso total do país.
Quanto a este tal som estridente, trata-se de um zumbido capaz de provocar náusea, enxaqueca, pressão no crânio, fadiga, vertigem, perda de memória e de audição.
Há aqui uma clara referência a um acontecimento real, denominado síndrome de Havana, pois foram exatamente estes os sintomas, em 2016, de diplomatas da Embaixada dos EUA em Cuba, após ouvirem um forte som misterioso, havendo até suspeitas de ataque por radiação de micro-ondas.
Algo similar e também cercado de mistério ocorreu com membros do governo americano e seus familiares em Viena, Paris, Genebra, Hanói e Bogotá.
Em uma determinada cena do filme, a seguinte questão é levantada pelos protagonistas. Eles citam que, em maio de 2000, um universitário de Ciência da Computação filipino, chamado Onel de Guzman, criou o vírus I Love You, conhecido como “Bug do Amor”, uma das pragas mais devastadoras de que se tem notícia, para um trabalho da faculdade que fora rejeitado.
Guzman, então, decidiu soltar a mensagem com vírus no dia 4 de maio, na véspera da sua formatura. O malware vinha por e-mail com um arquivo anexo chamado “Love-letter-for-you” que, após execução, enviava automaticamente a mensagem para todos os endereços cadastrados da pessoa.
Ao todo, estima-se que o vírus – desenvolvido em Visual Basic Script – foi enviado para mais de 84 milhões de usuários em todo mundo e causou prejuízo de mais de US$ 8,7 bilhões, atingindo grandes corporações como a Ford e agências governamentais no mundo todo.
Se tal estrago pôde ser provocado acidentalmente em 2000, por um simples estudante filipino, imagine o que pode causar ao mundo de hoje um ataque cibernético bem planejado e coordenado, conduzido por um exército de cibercombatentes treinados, patrocinados por um Estado-Nação?
Espero ter contribuído. Desejo a todos um bom filme!
Quem quiser me assistir em vídeo, comentando sobre este filme, basta clicar aqui.
Paulo Pagliusi, Ph.D.
Comandante Cibernético